As minhas primeiras memórias 1
Tendo já passado um tempo razoável desde o início, o grande início que calha a muitos de nós e que é o arrancar da consciência, deixa de ser tão fácil de perceber qual foi a primeira. Se calhar nunca é fácil, mas com a acumulação de memorias, experiências e conhecimentos, a mente fica mais difusa com o seu início, a noção temporal perde-se de umas memorias para as outras. Admito que algumas destas memorias possam ser fabricadas, seja pelas histórias posteriormente contadas seja por uma mistura de ambos. Não sei, portanto, qual será a minha primeira memoria nem talvez que idade teria. 4, 5 anos? É, no entanto, irrelevante para as memórias em si mesmo. Uma que gosto de me lembrar, fugaz, foi num dos primeiros aniversários que me lembro. Um meu pai nessa altura tinha um amigo, origem Cabo Verdiana, uma pessoa alegre, pronto para a brincadeira e amigo do seu amigo. Alguém que eu adorava diga-se de passagem. Este amigo toca à porta neste meu dia. Havia poucas crianças, talvez apenas a minha irmã e o meu vizinho, um pouco mais velho que eu. Nesses tempos, como seres muitos novos, as festas eram para os mais velhos, mesmo sendo os anos dos mais novos. A porta abre-se no meio da minha excitação para receber mais prendas. O saco era grande e os meus olhos devem ter brilhado de alegria e lanço-me para agarrar o saco, pronto para aliviar a carga do portador. “Olha que isto não é para ti”, diz-me ele afastando o saco do meu alcance. A minha reação deve ter sido de uma desilusão tão grande que ele começa a rir. “Estava a brincar”, no meio do riso. “Parabéns!”. E eu finalmente recebo o saco que continha o que eu penso ser ainda hoje legos duplos. Devo ter ido para o quarto estrear a prenda. O resto do dia perdeu-se para o tempo.
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